sexta-feira, junho 23, 2006

AMOR

Um diálogo do filme chamado “O Nome da Rosa” baseado no romance homônimo de Umberto Eco servirá de tema para este texto, não me recordo se está presente no livro e por preguiça de procurar ficarei com o que vi na película. Segue a curta, porém significativa, afirmação de Guilherme de Baskerville, interpretado por Sean Connery:

Deitados em seus catres num mosteiro italiano no ano de 1327, Guilherme de Baskerville – um sábio monge franciscano encarregado de investigar uma série de assassinatos ocorridos no mosteiro – e seu aprendiz, Adson, falam sobre o amor; o assunto é levantado por este último que, levado pela culpa de ter se envolvido carnalmente com uma mulher, procura a orientação de seu mestre.

Guilherme de Baskerville:
- A vida seria tão cheia de paz sem o amor, Adson. Tão segura; tão tranqüila e tão monótona...

Não é o tema central da história, é abordado “en passant” pelos personagens, mas ainda assim é explorado com maestria. Guilherme de Baskerville resume de maneira exata os efeitos do amor. O amor é justamente aquilo que nos tira a paz, nos deixa inseguros, inquietos, mas é o que faz a vida ter sabor, que nos faz ter pelo que viver.

Fala-se daquele amor que arrebata, que coloca a razão como uma espécie de característica humana secundária. A monotonia da vida é quebrada por estes momentos de loucura, onde – por um breve momento – deixamos de ser a pessoa mais importante do mundo para dar este lugar a outro ser.

Pequenas demonstrações de comportamento insano surgem nos mais inusitados momentos:

Três da manhã, a namorada (ou caso, amante, parceira etc) liga para o companheiro.

- Oi, sou eu.
- Aconteceu alguma coisa? Está tudo bem?
- Onde você está?
- Em casa oras, deixei você em casa e vim dormir...
- Então me espera aí fora, estou saindo, só vou passar pra te dar um beijo.
- Um beijo?
- É, só um beijo. Chego, te beijo e vou embora.
- ...

E ela vai realmente só dar um beijo; não quer mais nada, só isso. Um beijo e nada mais. A paz, a tranqüilidade e a segurança foram trocadas por um único beijo. A monotonia da vida foi quebrada por um breve momento. Entretanto, uma vez quebrado o marasmo, a mente (ou o coração, para os românticos) precisa de uma dose maior para obter o mesmo efeito. As pequenas loucuras deixam de ser pequenas e a pessoa quer mais:

- Ai amiga, você acha que ele vai gostar?
- Não sei... acho que está um pouco... hum... bem, exagerado.
- Exagerado?
- É, os doze outdoors com “eu te amo bizu bizu” no caminho do motel, a limusine com chofer, a suíte presidencial, fantasia de coelhinha da páscoa com cestinha e tudo e um quarteto de cordas no quarto... não sei... acho que é demais.
- Acho que você tem razão... vou tirar a cestinha.

Mas tudo que é bom, um dia acaba. Cria-se uma tolerância, o parceiro não sente mais a emoção das loucuras de amor. Não se empolga e precisa de uma dose de loucura amorosa ainda maior. Quando este ponto é alcançado, o melhor a fazer é acabar o relacionamento e procurar outro alvo de loucuras:

- O que foi meu “bizu bizu” não gostou da surpresa?
- É... gostei... é que...
- Já sei, exagerei! Foi isso, não foi?
- Não, não...
- Foi o quarteto de cordas...sei que foi...você ficou tímido...eu deveria ter imaginado...
- O quarteto estava ótimo...
- Então foi a fantasia de coelhinha da páscoa, só pode... você não gostou...
- Eu adorei a fantasia... é que... não sei... faltou alguma coisa...
- Faltou? Como? O que?
- Não tenho certeza... talvez, só para dar mais realismo... você poderia ter usado uma cestinha...


quarta-feira, junho 14, 2006

SINFONIA CÓSMICA

Li um artigo chamado “Sinfonia Cósmica” esta semana na Scientific American que me deu o que pensar. De acordo com novas observações o universo, em seu início, ressoou em vibrações harmônicas. Logo imaginei uma enorme explosão, temperaturas extremas, uma balbúrdia cósmica ao som da 9a Sinfonia de Beethoven. Aos físicos de plantão: eu sei que o som não se propaga no vácuo! Mas peço que me perdoem, a licença poética acima de tudo.
Pois bem, o universo foi – e espero que ainda seja –, de uma certa forma, musical. De posse dessa bombástica informação me recolhi ao único lugar onde poderia pensar a coisa como se deve; fumando um cigarro. Fui para a sacada e comecei a divagar ouvindo a dita sinfonia. Deve ter sido um espetáculo inigualável, uma enorme orquestra regendo o nascimento do universo. Não sei porque, mas não conseguia imaginar outra música para o evento. Cada átomo vibrando harmonicamente ao som de Beethoven.
Além de onipotente, onipresente e onisciente, o Cara ainda por cima é músico. A linha de raciocínio era óbvia, se o universo ressoa em vibrações harmônicas, isso significa que pode ser afetado por outras tantas vibrações. Passei a refletir: “Se a 9a Sinfonia foi responsável pela criação, qual será pelo fim de tudo?”Após muito pensar não consegui chegar a nenhuma conclusão. Quando estava prestes a desistir ouço o barulho de um carro, de propriedade de um deficiente auditivo, pelo volume do som tive certeza de que se o dono do carro não fosse surdo, em breve ficaria. Ao me deparar com a “música” “ouvida” – uma espécie de batida seguida de gemidos, palavras desconexas e uma rima pobre, que alguns chamam de funk – tremi e pensei: “É... pode não ser essa a música que desencadeará a destruição universal, mas que estamos perto, ah isso estamos”.


terça-feira, junho 13, 2006

MASTURBAÇÃO

Começou com Onã – aquele da Bíblia – que não quis fecundar a viúva de seu irmão e derramou seu sêmen na terra e foi fulminado por um raio divino. Onã acabou cedendo seu nome (injustamente) para a modalidade sexual mais solitária que existe: o onanismo.
Em anos idos a masturbação era vista como doença, hoje, porém, é considerada remédio para os mais diversos males, de depressão à espinhela caída. Claro que nem todos a praticam com fins terapêuticos; há os que a utilizam para breves momentos de diversão segura e prazerosa; outros a praticam por compulsão e há alguns que até admitem que o sexo com outra pessoa pode – às vezes – substituir uma boa sessão de sexo solitário.
Com o passar do tempo o onanismo evoluiu, novas técnicas foram criadas (na maioria das vezes por representantes da última categoria acima) e compartilhadas...

Sexta feira, 18:00; fim do expediente, dois colegas de trabalho conversam:

– Rapaz, nossa noite está garantida! Conheci uma morena fenomenal e ela tem uma prima feita na mesma fôrma; liguei e disse que tenho um amigo e elas aceitaram sair pra dar uma “volta”!
– Bem que eu gostaria, mas é que eu aluguei um filminho pornô... é hoje!

Os onanistas também podem ser divididos em categorias:

Os adeptos da “frutifilia”:

– Como é que é? Acho que não entendi direito...
– Presta atenção, vou explicar de novo: você pega uma banana.
– Essa parte eu entendi.
– Pois é, a banana tem que estar madura. Aperta de leve até a casca começar a soltar, assim que estiver escapando uma gosminha tipo banana amassada você descasca a dita e usa a casca pro “serviço”!
– Ah...

Os “anti-higiênicos-sádicos sem consciência ecológica”:

– A parte mais difícil é a banheira.
– Banheira?
– É, você tem uma banheira em casa?
– Não.
– Não tem problema, pode ir lá em casa usar a minha; mas você leva a mosca.
– Mosca!?
– Sim, mosca. Mas tem que ser daquela grande, varejeira; sabe?
– Sei...
– Depois que você pegar a mosca tem que tirar as asas. Vai pro banheiro, enche a banheira e deita. Coloca só a ponta do pinto pra fora da água e larga a mosca em cima, sem poder voar a bichinha vai ficar pra lá e pra cá... aí é só curtir!


Os higiênicos:

– Faz um buraco no sabonete e mete (desculpem o trocadilho) bala!
– E ainda fica limpinho!

Os cabeleireiros:

– A melhor coisa que existe é xampu misturado com condicionador, desliza que é uma beleza!

O genocida:

– O melhor de tudo é imaginar aqueles bilhões de espermatozóides indo pelo ralo abaixo!

Enfim, há uma infinidade de “categorias onanistas” e todos se encaixam em – pelo menos – uma delas. Mesmo preferindo modalidades sexuais menos solitárias, defendo a prática desta milenar arte com “mãos e dedos”. Com ou sem fins terapêuticos.


segunda-feira, junho 12, 2006

BARATAS

Já perdi a conta de quantas baratas esmaguei com o meu chinelo, não que meu apartamento esteja infestado, quer dizer, não tenho certeza; li em algum lugar que para cada barata que vemos, existem outras cinco escondidas em algum canto. É um pensamento assustador. Até pouco tempo atrás, além de repugnância, sentia também desprezo por tais seres. Isso começou a mudar depois de receber algumas informações sobre nossas “amigas”.
Existem quatro mil espécies de baratas, apenas dez são urbanas e, normalmente, apenas duas destas adentram nossos lares. Elas estão no mundo há mais de duzentos milhões de anos, surgiram antes dos dinossauros e sobreviveram a eles. Podem ficar um mês sem comer, sete dias sem beber água e, no desespero, podem comer parentes mortos ou vivos.
Enxergam bem no escuro, a carapaça protege todo seu corpo; aqueles pequenos “pêlos” espalhados captam o mínimo deslocamento de ar em sua direção – está explicado porque elas começam a fugir antes de começarmos com as chineladas – são praticamente imunes à radiação (sobreviveram aos dinossauros e vão sobreviver aos seres humanos) e ainda existem baratas que podem se reproduzir sozinhas, assexuadamente – certo, é prático, mas convenhamos, não é nem um pouco divertido.
Após receber estas informações, comecei a respeitá-las, afinal, elas são bem mais velhas que nós. Passei a olhá-las com outros olhos, olhos de quase admiração.
Fui para a sacada e acendi um cigarro. Eis que surge voando o objeto de meu mais recente respeito, pousando majestosamente no chão. Observo-a com reverência; as informações frescas na memória dançam. “Ela é antiga, perfeitamente adaptada a qualquer situação, imune à radiação...” Me enchi de respeito e admiração por aquele ser. Tudo não levou dez segundos, do pouso às minhas reflexões. Com um movimento rápido, desfiro-lhe uma certeira chinelada. Uma chinelada cheia de respeito e admiração, como ela merecia...


PROLEGÔMENOS DE UMA SOLUÇÃO

Um filósofo norte-americano – sim nos Estados Unidos também existem filósofos, por incrível que pareça – chamado John Rawls, colocou a seguinte “solução” para o problema de como se estabelecer uma sociedade justa: Basta que se reúna algumas pessoas e que estas criem as leis que regerão a dita para todo o sempre. Mas – as conjunções adversativas sempre aparecem para estragar a festa – os responsáveis por tal elaboração devem morrer logo em seguida para renascer em posições sociais aleatórias. Trocando em miúdos: Um certo número de pessoas elabora algumas leis, essas pessoas sabem que irão morrer e renascer, mas não sabem em que condições sociais.
Na verdade, Rawls lança essa idéia como uma maneira de mostrar a impossibilidade de se elaborar leis totalmente justas (desculpem-me a interpretação rasteira). O desejo de poder sempre nublará essa intenção. Entretanto, achei a idéia extremamente interessante. Imaginem só: grandes empresários, “velhas raposas” da política e presidentes de multinacionais sentados em um grande parlamento, discutindo a elaboração de leis que não prejudiquem seus negócios, mas esperem aí! Que negócios? Eles sabem que morrerão logo após elaborar as leis, e – pior ainda – que podem voltar como um assalariado, um desempregado ou uma mulher (esqueci de mencionar que os sexos também podem ser trocados no “renascimento”). A situação seria no mínimo interessante.

- Temos que criar uma lei que garanta mão de obra barata. Diz o presidente de uma grande multinacional.
- É... E se voltarmos justamente dentro dessa “mão de obra barata”? Indaga aquele político corrupto de um “agradável” país “em desenvolvimento”.
- É necessário que as multinacionais abram mão de seus lucros exorbitantes, vamos garantir que os pobres trabalhadores tenham um salário digno. Conclui o mesmo político.
- Certo. Então vamos criar mecanismos eficientes de combate à corrupção e estabelecer uma fiscalização popular do poder público. Retruca o mega empresário, com um sorriso de desdém.
- Calma, calma; não vamos exagerar, deve haver um meio termo. O presidente de um país “desenvolvido” resolve se manifestar.
Uma profusão de vozes, gritos por toda parte, todos resolvem falar ao mesmo tempo. Os mais exaltados já saltam a bancada e partem para a agressão. Ao fundo do parlamento um distinto senhor apenas ri. Estava na “roda do poder” desde 1964, participou de uma ditadura militar, assumiu cargos de confiança em todos os governos subseqüentes, enfim, um “político” experiente.
- Senhores, senhores, por favor.
De tanto insistir a confusão diminui e todos retornam aos seus lugares. Estão irreconhecíveis. Descabelados, ternos “Armani” rasgados, hematomas espalhados. O clima estava pesado. Mas o “distinto senhor” continuava rindo.
- Cavalheiros, não vejo razão para brigas e discussões. Sugiro um recesso. Quando todos estiverem à vontade para decidir, decidiremos. Não tenham pressa, levem o tempo que for preciso...

Pois é, acho que a idéia não ia dar muito certo mesmo...