domingo, março 19, 2006

AQUI TEM CAFÉ NO BULE!

É impressionante a fragilidade do corpo humano. Seres microscópicos penetram em seu corpo, armados até os dentes – mesmo não os possuindo – para a conquista de um novo território. Normalmente nosso “exército pessoal” acaba por vencer a batalha, mas somos cruelmente torturados enquanto o “inimigo oculto” realiza seus ataques. Não falo do sofrimento físico e sim psicológico, que acaba por tornar o primeiro uma espécie de “passeio no parque”.
Pois bem, estou passando exatamente por este momento. Minhas defesas estão tentando derrotar um exército invasor. Enquanto uma batalha de proporções épicas ocorre dentro de mim, sou obrigado a me colocar em estado semivegetativo. Deitado, enrolado em um lençol e assistindo televisão. E é justamente neste ponto que a tortura começa. Infelizmente não possuo T.V a cabo – o que, agora vejo, não é luxo, e sim necessidade – portanto, tento entreter-me com os canais abertos.
Controle remoto na mão e bola pra frente. Filmes, jornais, novelas e programas de auditório (não me censurem, a necessidade é a mãe do desespero e não da invenção). Em meio ao tour televisivo me deparo com um programa de uma “conhecida” apresentadora, com vários convidados igualmente “conhecidos” discutindo como se ter uma vida mais saudável. “Opa, estou doente e dou de cara com um programa sobre saúde, é um sinal!”. Delírio, provavelmente provocado pela febre, agora eu sei. Um homem careca vestido como “professor” de academia de ginástica dava sua opinião:

- Em primeiro lugar: não fumem! Isso acaba com a vida de qualquer um!

Impressionado com a ênfase do aviso – ou melhor, ordem – apaguei o único prazer que me restava.

- Não bebam!

E eu parei de pensar nas cervejas que me esperavam após a recuperação.

- Comam pouco sal, pouquíssimo açúcar, evitem a gema do ovo, comam apenas a clara. Cortem a carne vermelha, troquem o refrigerante por sucos naturais, fujam do café, pratiquem exercícios regularmente, usem camisinha, comam frutas e abominem as frituras!

Pronto, além de doente estava deprimido, totalmente impossibilitado de realizar qualquer esforço, até mesmo trocar de canal. A apresentadora resolveu se manifestar:

- Também é bom não forçar muito a vista né? Não é aconselhável ler muito esses livros que têm a letra muito pequenininha...

Foi a gota d’água. Reuni forças e acionei o controle remoto. Um homem gordo, de bigode com um copo de cerveja na mão falando:

- Aqui tem café no bule!

Acendi um cigarro e me senti bem melhor...


terça-feira, março 07, 2006

ANÕES BESUNTADOS

Existem coisas que só ocorrem em uma mesa de bar, bem como assuntos que nascem e morrem neste “divã etílico”. A mesa de bar possui a sacralidade confessional, tal qual seu equivalente católico, é permeada de símbolos e cumplicidade. Tudo que é dito e ouvido é prontamente esquecido, mesmo que para isso todos tenham que sofrer a famigerada amnésia alcoólica.
Os habitués de bares e similares sabem do que estou falando; aqueles momentos únicos onde – por um brevíssimo instante – a pessoa ao seu lado torna-se inacreditavelmente confiável, nossos mais íntimos segredos são despejados freneticamente em ouvidos sequiosos de cumplicidade.
Pois bem, após anos “confessando meus pecados” em mesas de bar, tive a oportunidade de sentir na pele como o outro lado encara a situação. Normalmente, a pessoa mais sóbria da mesa ouve com atenção as confissões alheias; neste dia coube a mim este papel...
- Tens alguma tara?
Fuzilou um amigo sentado ao meu lado.
- Olha, até tenho. Qual a razão da pergunta?
Respondi um tanto quanto desconfiado.
- Eu tenho...
Voz pastosa e olhos perdidos no espaço. Após uma breve pausa continuou:
- Não sei bem se é uma tara, quer dizer, eu acho que é, mas pode ser apenas um fetiche... Na verdade, também pode ser apenas um desejo muito forte...
- Sei...
Afastei-me um pouco, olhando para os lados a procura de ajuda futura.
- Qual e a tua tara?
- Bem, na verdade eu...
- Ahh... com certeza não é mais estranha que a minha... não que eu me orgulhe dela, mas... sabes como é...
- Sei...
Não sabia de nada, tara é tara, por mais estranha que seja. Há tempos as diversas modalidades de sexo deixaram de chocar, estava começando a ficar curioso...
- Sim, me conta aí que tara tão diferente é essa (Mais uma cerveja pro nosso amigo aqui, garçom!).
- Olha... não que seja muito estranha, mas tenta não falar pra ninguém certo?
- Que é isso? Sabes que o que me falares aqui morre aqui, não te preocupes.
- Certo... mas olha, é que eu acho que existem certos tabus e...
- Fala logo!
A curiosidade falou mais alto que o medo.
- Anões besuntados...
- Anões besuntados?
- Isso...
- Mas besuntados como? Não entendi...
- Em óleo, sabe? Vários anões banhados em óleo... qualquer óleo de cozinha já serviria...
- Óleo de cozinha?
- Isso, tipo “Soya”, entendeu?
- Entendi...
Comecei a ficar preocupado.
- E tem mais...
- Mais???
Perguntei incrédulo, era impossível a coisa ficar ainda mais estranha.
- Um dos anões...
Começou a falar em voz baixa e com os olhos arregalados.
- Um dos anões tem que ser albino e estar besuntado com manteiga de lata...
Neste ponto a preocupação novamente cedeu lugar à curiosidade.
- Mas porque manteiga de lata? Não serve a de pote?
- Não... tem que ser de lata... de pote não pode...
- Sei... Mas por que apenas um anão albino? Por que não todos?
- Todos? Não, nem pensar. Isso seria uma perversão inaceitável! Fugiria totalmente dos padrões de normalidade de uma tara!
- É verdade...